A história da tributação

A palavra imposto deriva do latim do termo “imposĭtus”, que se traduz numa obrigação.

Ninguém gosta de ser obrigado a nada, muito menos a pagar impostos. Todos conhecemos a celebre frase de Benjamim Franklin (1706-90) a Jean-Baptiste Leroy “In this world nothing is certain but death and taxes” ou então “morrer e pagar impostos, quanto mais tarde, melhor!”, “Read my lips:  no new taxes” (leiam os meus lábios, não há novos impostos) de George H. W. Bush, ou mais recentemente, em Portugal, “taxas e taxinhas” ou “um enorme aumento de impostos”.

Por vezes, existe a questão de aceitarmos ou não pagar impostos. Para que sejam aceites é essencial termos a consciência de que são    o preço (justo) que pagamos pela civilização que temos.

A história dos impostos diz muito de nós enquanto civilização, daquilo que somos enquanto nações, daquilo que somos enquanto cidadãos, de onde vimos, por onde fomos e para onde vamos.

A história dos impostos não começa, ao contrário do que pensamos, na era moderna. Há muitos séculos    que imperadores, reis e proprietários de terras já cobravam «impostos» como forma de terem rendimento.

Os documentos escritos mais antigos que se conhece são peças de barro de 4000 A.C. encontrados na  Mesopotâmia e o mais antigo desses documentos faz referência aos impostos. Além de entregar parte dos alimentos que produziam ao governo, os Sumérios eram obrigados a passar até cinco meses por ano a trabalhar para o rei. Os mais sortudos seriam empregados na colheita ou para  retirar lama dos canais da cidade. Os menos afortunados entravam para o exército, com grandes hipóteses de morrer numa guerra. Quem era rico escapava.

Assim que surgiu a moeda, a contribuição braçal veio a ser substituída por dinheiro.

Era assim também no antigo Egito. As evidências indicam que, em 3000 a.C., os faraós coletavam impostos em dinheiro ou em serviços pelo menos uma vez por ano.

Ninguém era tão temido quanto os escribas responsáveis por determinar a dívida de cada um (seriam os inspetores tributários da época). O controle era tão rigoroso que fiscalizavam até o consumo de óleo de cozinha pelas residências, que era tributado.

Na Bíblia se falava em cobradores de impostos e já na altura, não tinham muito boa reputação. Os evangelhos sinóticos relatam como os adversários de Jesus tentaram  ludibriá-lo ao forçá-lo a tomar uma posição sobre a delicada questão do pagamento de impostos aos conquistadores romanos.

O governador era Pôncio Pilatos, responsável por coletar os impostos na província romana da Judeia. Inicialmente bajularam Jesus, elogiando a sua integridade, imparcialidade e devoção à verdade. Então perguntaram-lhe se era ou não certo que um judeu  pagasse um imposto demandado por César. Jesus primeiro chamou-os de hipócritas e pediu que um apresentasse  uma moeda romana que pudesse ser usada para pagar o imposto de César. Um deles mostrou-lhe uma moeda romana e Jesus perguntou qual era  o nome e a inscrição que constava dela, ao que responderam que era de César, tendo então Jesus proferido a sua famosa frase: «Dai, pois, a   César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.» (Mateus 22:21). Jesus foi acusado perante Pilatos de proibir o povo de pagar tributos e que os primeiros cristãos também foram acusados de subversão.

Além dos impostos indiretos (taxa alfandegárias, entre outros), as províncias romanas pagavam ao Império um tributo cobrado por habitante, do qual estavam isentos os anciãos e as crianças, tal exigência era considerada por muitos uma infame sujeição, razão pela qual os zelotes se opunham a tal pagamento. Os Evangelhos de Mateus e Marcos esclarecem que este imposto se tratava do “census“.

As taxas antigamente cobradas incluíam o dízimo, o tributo, o pedágio, o imposto por cabeça e os impostos por itens de consumo, pelas exportações, importações e por bens transportados através dum país por mercadores.

Entre as várias espécies de impostos mencionados nas Escrituras Gregas Cristãs encontramos o ·los (imposto, dever ou tributo indireto). Também são mencionados o kén·sos (imposto por cabeça) e o ·ros (termo mais amplo, que se julga designar um imposto cobrado sobre casas, terrenos e pessoas).

O Império Romano aperfeiçoou a técnica de impor tributos a estrangeiros. Em economias pré-industriais, a terra e o trabalho são os principais ingredientes da riqueza. Por isso, a conquista de outras terras e povos dava aos romanos acesso a mais riqueza, o que, por sua vez, permitia que conquistassem e controlassem um território ainda  maior.

O “censo”, usado até hoje em muitos países, foi criado  pelos romanos para decidir quanto deveriam cobrar de cada província. O cálculo era feito com base no número de pessoas.

Em 167 a.C., Roma tornou-se muito rica à custa dos povos conquistados, tendo suspendido a cobrança de  impostos sobre os cidadãos romanos. Distribuía pão e  outros produtos gratuitamente como forma de partilhar a riqueza.

Como o império era muito grande, terceirizaram a coleta de impostos. Os «publicani», ou fiscais, adiantavam dinheiro ao governo pelo direito de recolher o imposto e, depois, tratavam de recuperar o  investimento acrescido de juros, custos de coleta e, naturalmente, algum lucro.

A queda do Império Romano trouxe um novo sistema de  organização da sociedade e, portanto, dos impostos. As cidades tornaram-se centros de riqueza e os reis passaram a cobrar impostos diretamente dos habitantes.

Na Inglaterra, a concentração do poder real  levou a uma revolta e à criação de um dos mais importantes documentos legais da história: a Carta Magna. Cansados dos elevados impostos cobrados pelo rei João de Inglaterra, para financiar guerras mal sucedidas no exterior, vários barões uniram-se em revolta e, em 1215, obrigaram-no a aceitar limitações sobre o seu próprio poder, em especial ao direito de cobrar impostos.

O conflito iniciou-se quando o rei decidiu tributar os bens  eclesiásticos. A primeira reação do Papa foi expressa na bula «Clerics Laicos» (1296), na qual proibiu a França e a Inglaterra de tributarem os bens da Igreja, advertindo-as da pena de excomunhão. Seguiu-se a «Unam Sanctam», na qual o Papa adverte o rei quanto às suas responsabilidades, lembrando-o de sua prestação de contas no Juízo.

Em 1215, depois do Rei João de Inglaterra ter violado um número de leis antigas e costumes pelos quais a Inglaterra tinha sido governada, os seus súbditos forçaram-no a assinar a Carta Magna, que enumera o que mais tarde veio a ser considerado como um exemplo de direitos humanos. Entre eles estava  o direito da igreja de estar livre da interferência do governo, o direito  de todos os cidadãos livres possuírem e herdarem propriedade e serem protegidos de impostos excessivos.

Amplamente visto como um dos documentos legais mais importantes no desenvolvimento da democracia moderna, a Carta Magna foi um ponto de viragem crucial na luta para estabelecer a liberdade.

A utilização dos impostos (particularmente direitos aduaneiros) como medidas protecionistas consistem essencialmente em restringir as importações estrangeiras (barreiras alfandegárias, quotas de importação, regulamentos  governamentais, normas técnicas ou sanitárias), incentivar as exportações (vários subsídios, incentivos fiscais, desvalorização cambial), dar preferência às empresas nacionais nas aquisições governamentais ou impedir os investidores  estrangeiros de adquirirem empresas nacionais.

Os historiadores atribuem ao Reino Unido a génese na  utilização de políticas protecionista, enquanto política concorrencial internacional e com início no século XIV. Atribui-se à vigência do reinado de Eduardo III (1312-1377), que pura e simplesmente proibiu importações de tecidos de lã para desenvolver a indústria da lã em Inglaterra.

No entanto, muito antes, como prática medieval, no que se refere a restrições ao comércio, são conhecidos os direitos concedidos aos senhores feudais de cobrar portagens e tributos nas estradas e rios sobre as mercadorias que transitassem pelas suas propriedades.

A historia tarifária europeia é uma crónica de proteção popular, quase instintiva. Assim aconteceu com o Tratado de Eden de 1786, o Tratado Anglo-Francês Cobden-Chevalier de 1860, o mercado comum pós-segunda guerra mundial e o GAAT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio).

Uma fiscalidade desigual e arbitrária, que recaía  exclusivamente sobre os estratos mais pobres da sociedade, da qual estavam exonerados o clero e a nobreza, causava grandes resistências.

Quanto à evasão aos impostos, esta é tão antiga como os impostos. A partir do século XV, no auge da Renascença, os  impostos multiplicam-se à medida que as atividades da sociedade se diversificam. A burocracia da cobrança aumenta e a crescente complexidade económica das sociedades leva à  criação de teorias económicas e às novas formas de arrecadação.

A evolução do comércio entre as nações leva à criação  de tarifas de importação e exportação e ressurgem os  impostos sobre a venda de produtos específicos, como os que existiam na Roma antiga e aumentam os conflitos por causa dos impostos.

A partir do século XVII, o crescimento do império otomano levou ao crescimento da burocracia, com o acúmulo de papelada e a multiplicação de regulamentações, o estado passou a depender de pessoal  não turco, mesmo nos níveis mais altos.

A Revolução Industrial do século XVIII aumentou ainda mais a complexidade da economia. É nessa época que surgem as bases ideológicas que hoje representam a esquerda e a direita. Surgem os fisiocratas, um grupo de filósofos franceses liderados por François Quesnay que defendem a liberdade económica dos indivíduos, inclusive no que se refere à cobrança de impostos.

Uma primeira “domesticação” dessa fiscalidade selvagem foi trazida, ainda na Idade Média, pela conquista dos  Parlamentos, ao imporem ao soberano a necessidade de consentimento à criação de impostos.

Os liberais clássicos aceitam os impostos, desde que prossigam os fins para que foram criados: a defesa dos súbditos e das suas propriedades e a justiça. O Estado, isto  é, o soberano e os seus membros, não são injustos nem imorais ao cobrarem impostos.

Muitas das dúvidas e obstáculos que existiam há dois mil anos continuam a   aplicar-se hoje em dia, mesmo com  sociedades mais complexas, mais  recursos financeiros e uma máquina  fiscal muito mais sofisticada e com muito mais informação. Civilização implica justiça, igualdade. Ora, a história dos impostos está marcada, desde a sua génese, por fortes convulsões sociais ligadas à sensação de  injustiça relacionadas com o pagamento de impostos.

A independência dos Estados Unidos e a Restauração Portuguesa de 1640 têm na sua origem motivos fiscais. No primeiro caso, a oposição ao imposto sobre o chá, hoje lembrada, mas com motivações muito diferentes, nos “tea party” do Partido Republicano (Festa do Chá de Boston), no segundo caso, a  resistência à fiscalidade voraz e anárquica do Conde Duque de Olivares foram detonadores de movimentos sociais e políticos de grande alcance.

O conflito entre a Grã Bretanha e as colónias surgiu na década de 1760, quando o Parlamento pretendeu, pela primeira vez, impor um imposto direto sobre as colónias para aumentar a receita. A Festa do Chá de Boston – Boston Tea Party , consistiu numa ação dos colonos americanos de Boston em 1773 contra o Governo britânico que detinha o monopólio do chá que entrava nas colónias.

A Revolução Francesa, ocorrida entre 1789 e 1799, teve inspiração nos ideais iluministas e iniciou um processo de transformações profundas que resultou na queda do absolutismo na França e na Europa. Este período histórico destacou-se pela complexidade dos eventos políticos, sociais e econômicos que redefiniram o cenário europeu e influenciaram o mundo inteiro.

O movimento começou com uma crise fiscal aguda no reino da França, exacerbada pela participação do país na Guerra da Independência dos Estados Unidos e pelas estruturas sociais arcaicas conhecidas como Antigo Regime. A desigualdade social era significativa, dividindo a sociedade em três estados: o clero (Primeiro Estado), a nobreza (Segundo Estado) e o Terceiro Estado, que eng

A Guerra do Pacífico, ocorrida entre 1879 e 1883, teve origem nas desavenças entre o Chile e a Bolívia e o Perú relativamente ao controle de uma parte   do deserto de Atacama, rico em recursos minerais.

A Women’s Tax Resistance League tem na sua origem a célebre frase “No vote, no tax”. A Lei da Representação do Povo de 1918 foi a primeira   lei que deu às mulheres o direito de voto, desde que tivessem mais de 30 anos e cumprissem determinados  requisitos. A Liga Feminina da Resistência aos Impostos (1909- 1918) foi criada em 1909 com o objetivo de organizar  a resistência feminina aos impostos cobrados sem   qualquer representação através do direito de voto. A Liga fazia parte do movimento sufragista e fazia campanha em matéria de impostos, tendo como mote a injustiça de pagar impostos quando as mulheres não tinham voto parlamentar.

A Marcha do Sal foi um ato de desobediência civil promovido por Gandhi e foi um dos momentos mais importante da sua longa campanha destinada a mobilizar a Índia contra o domínio colonial britânico. Tratou-se de uma caminhada entre a capital do Estado do Gujarat, Ahmedabad, e a vila costeira de Dandi. Durou quase um mês, entre 12 de março e 5 de  abril, ao longo da qual milhares de pessoas juntaram- se a Gandhi e aos seus 80 companheiros, em protesto contra o facto de os indianos serem obrigados a comprar produtos industrializados do Reino Unido, sendo proibidos inclusive de extrair sal no seu país e contra o imposto sobre o sal. Gandhi liderou a caminhada que ficou conhecida como A   Marcha das 200 Milhas (320km), para extrair sal do mar. Foi preso, mas solto em 1931 para comparecer à Conferência sobre a Índia, em Londres, como único representante do Congresso Nacional Indiano.

O fabrico de sal na Índia era um monopólio estatal desde em 1882. Era um crime para qualquer indiano possuir sal sem tê-lo comprado ao Governo e era cobrado um imposto sobre o sal.

O sal era frequentemente necessário para cerimónias religiosas e era também usado pelo seu poder de curar, preservar alimentos, desinfetar e embalsamar.

Como todos precisavam de sal, estávamos perante uma causa na qual muçulmanos, hindus, sikhs e cristãos poderiam participar conjuntamente. Os camponeses sem  terra, assim como os mercadores e proprietários de terras,    ficariam todos beneficiados caso o imposto fosse abolido.

Foi uma marcha pacífica e não-violenta, mas o seu objetivo era considerado subversivo pelas autoridades: no dia 6 de abril, pela manhã, depois do banho, ritual sagrado para os hindus, Gandhi pegou num punhado de lama salgada e ferveu-a, obtendo sal, o que era ilegal segundo a legislação britânica. Foi nesse momento que proferiu uma célebre frase: “com isto, estou a abalar as fundações do Império Britânico”. O seu gesto foi repetido simbolicamente pelos milhares de indianos ali presentes. Os britânicos prenderam mais de 50 mil indianos, entre eles o próprio Gandhi. E desta forma não era possível prender toda a gente que infligia a proibição oficial de fazer e vender sal.

Poder-se-ia determinar a moralidade do imposto delimitando uma quantidade ou percentual específico, a qual superada, torná-lo-ia imoral, sendo que a regra para o limite é a prudência e a moderação.

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